Rio de Janeiro — Enquanto as forças de segurança celebram o “sucesso” da Operação Contenção, nas comunidades da Penha e do Alemão o cenário é de puro desespero. Famílias inteiras vivem dias de angústia tentando recuperar os corpos de parentes mortos durante a ação, considerada a mais letal da história recente do estado, com 121 mortos confirmados até agora.
No Instituto Médico-Legal Afrânio Peixoto, no Centro do Rio, o clima é de revolta. A fila é longa, as informações são desencontradas e o sentimento é de abandono. “Queremos dignidade, não piedade”, desabafa uma das mães que esperam pela liberação do corpo do filho.
“Arrancaram o braço dele no lugar da algema”
Relatos de extrema violência tomam conta das portas do IML. Em entrevistas, familiares descrevem cenas chocantes — corpos mutilados, marcas de tiros à queima-roupa e sinais de tortura.
“Meu filho se entregou, saiu algemado. E arrancaram o braço dele no lugar da algema”, contou uma mãe, aos prantos.
Outros parentes afirmam que ainda havia feridos nas matas quando os policiais deixaram o local. “Nós ficamos lá, cada um caçando seus filhos, seus parentes. Isso aí está certo para o governo?”, questionou outra mulher.
Luto sem corpo, dor sem fim
A burocracia e a falta de estrutura transformaram o luto em um segundo tormento. Muitos familiares vieram de outros estados e dormem em frente ao IML, sem informações claras sobre identificação, perícias ou previsão de liberação.
Organizações de direitos humanos denunciam que o processo de necropsia é lento e que os mortos têm sido tratados como números, não como pessoas. “Nem mortos eles têm direito a respeito,” resume uma voluntária que acompanha as famílias.
Governo fala em “êxito”, enquanto comunidades falam em “massacre”
O governo estadual classificou a operação como “bem-sucedida” no combate ao Comando Vermelho. Mas nas vielas da Penha e do Alemão, o que se ouve é outra palavra: massacre.
Especialistas em segurança pública e representantes do Ministério Público questionam a proporcionalidade da ação e a ausência de controle. O MPRJ já anunciou uma perícia independente para apurar o caso.
O Estado que falha até no último adeus
Em uma sociedade marcada pela desigualdade, até o direito de enterrar os mortos parece depender de onde se nasceu. Para quem mora nas favelas, o corpo de um filho pode demorar dias para ser reconhecido — e, muitas vezes, vem em condições impossíveis de descrever.
“Não é só o tiro. É o tratamento depois. É como se não fôssemos gente”, disse uma moradora da Vila Cruzeiro.
As famílias pedem que o governo agilize a liberação dos corpos e ofereça suporte psicológico. Mas, até agora, o que recebem é silêncio.
A dor que o Estado não quer ver
Os 121 mortos da Operação Contenção representam mais que números: são vidas interrompidas e histórias que merecem ser contadas.
Enquanto o poder público fala em “resultado”, as mães falam em “humilhação”.
E é justamente nesse contraste que se revela o outro lado da operação — o lado que o Estado tenta esconder.
🗣️ Opinião
O discurso da “segurança” não pode continuar servindo de escudo para a barbárie. Nenhum país se fortalece quando aceita que a dor de uns seja o preço do conforto de outros. O Estado brasileiro se acostumou a enterrar pobres sem nome e sem justiça — e a chamar isso de vitória. Mas o verdadeiro sucesso de uma nação não está em contar corpos, e sim em proteger vidas.
Quando a morte vira estatística e o luto precisa de senha, o problema já deixou de ser segurança pública. É humanidade pública que está faltando.






